Demasiado Humano

Se aquela coisa tivesse durado mais um segundo, o polícia estaria morto. Imaginou-o, assim, caído, as pernas abertas, os bugalhos apavorados, um fio de sangue empastando-lhe os cabelos, formando um riacho entre os seixos de vereda. Muito bem! Ia arrastá-lo para dentro da caatinga, entregá-lo aos urubus.

Ainda faltava, então, um golpe final. Um golpe a mais? Eu não a olhava, mas me repetia que um golpe ainda me era necessário – repetia-o lentamente como se cada repetição tivesse por finalidade dar uma ordem de comando às batidas de meu coração, as batidas que eram espaçadas demais como uma dor da qual eu não sentisse o sofrimento. E não sentiria remorso. Dormiria com a mulher, sossegado, na cama de varas. Depois gritaria aos meninos, que precisavam de criação. Era um homem, evidentemente.

Até que – enfim conseguindo me ouvir, enfim conseguindo me comandar – ergui a mão bem alto como se meu corpo todo, junto com o golpe do braço, também fosse cair em peso. Fixou os olhos nos olhos do polícia, que se desviavam. Um homem. Besteira pensar que ia ficar murcho o resto da vida. Estava acabado? Não estava. Mas para que suprimir aquele doente que bambeava e só queria ir para baixo? Foi então que vi a cara da barata. Ela estava de frente, à altura da minha cabeça e de meus olhos. Inutilizar-se por causa de uma fraqueza fardada que vadiava na feira e insultava os pobres! Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. Guardava a sua força. Por um instante fiquei com a mão parada no alto. Depois gradualmente abaixei-a.

Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins.

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