Não dá mais pra Diadorim - em duas versões
DALTON TREVISAN:
Otto,
Falemos mal do Grande Sertão. Rompe você ou começo eu?
La vai em pleno dó de peito: o Rosa é o herdeiro de José de Alencar, epígono do novo indianismo. Seu jagunço pomposo, guardada a distância, o mesmo índio guarani. Riobaldo, um Peri sofisticado, e Diadorim, outra virgem dos lábios de mel (as suas líricas meretrizes são perfis de Lucíola).
Um cronista genial, a mão leve de beija-flor, mas – ai de mim – romancista menor. Riobaldo não se sustenta nas alpercatas e Diadorim, coitada, é pura donzela Arabela (“já fazia tempo que eu não passava navalha na cara, contrário de Diadorim”; logo, ela fazia a barba?).
Na paisagem naturalista os tipos de um romance desgrenhado. Não é Riobaldo sem veracidade nem grandeza, epa!, que me interessa e sim o trovador do sertão: a gente, os bichos, a paisagem.
Que de variações retóricas sobre a sentença de Dostoievski – “se Deus não existe, tudo é permitido”. Como sabe enfeitar de plumas e lantejoulas o seu chorrilho de platitudes: “Um dia todo para a esperança, o seguinte para a desconsolação” - Diadorim... foi imagem tão formosa da minha Nossa Senhora da Abadia!”
A forma é inovadora, mas o fundo reacionário. Uma frase de efeito? Não nego a protofonia verbal do Rosa, patativa de mil gorjeios. Estilo criativo a serviço de quê? A história menos plausível na literatura de travesti.
Me irrita a inverossimilhança absoluta: a convivência forçada de todas as horas, como pode? Semanas no desolado, onde uma árvore atrás da qual se esconder? Dias e dias prisioneiros na fazenda, sem uma bacia de água para lavar os paninhos etc.
O tema do travesti é antigo e recorrente, sejo no teatro, seja no romance de cavalaria. Basta ver as novelas que entremeiam o Dom Quixote. Todas porém cuidam de preservar o mínimo de credibilidade – a heroína vive solitária no bosque e fugaz é sua aparição em sociedade.
O tema insinuado e não assumido no livro seria, isso sim, o amor que não ousa(va) dizer seu nome. Diadorim fêmea, no bando recluso de jagunços, é uma dália sensitiva de fantasia. Adeusinho, Diadorim gentil,
Salve, salve, ó feroz Diadorão.
E tudo faria sentido. O livro ganhava realidade sem vez de artificialismo. Eis que o autor arrepiou caminho. Erro fatal de composição – não foi veraz.
Ainda pretendem compará-lo a Joyce: pouco vale pirotecnia verbal sem originalidade de espírito. Acho mais audácia em duas frases do Dom Casmurro (“Mamãe defunta, acaba o seminário” e “uma das consequências dos amores furtivos do pai era pagar eu as arqueologias do filho: antes lhe pagassem a lepra...”) do que em todo o Grande Sertão.
O Rosa é tão comportadinho (sou arrebatado pela fúria das palavras?), essa viadagem enrustida me deixa tiririca: suas mulheres – até as putinhas, meu Deus! – nunca tiveram nada entre as pernas.
Ele não me engana – escreve diferente, bem que pena convencional...
Três pontinhos, epa! Que frescura é essa? Comigo, machão que sou, reticência não tem vez.
Gostou do exercício frívolo de leitura? Para o meu novo livro espero igual tratamento. Agora é a sua vez Otto.
Quês eja o esporro de uma pororoca, uai!, jmais comprimida em leito de Procusto. A frase não é do major Siqueira e sim minha.
Dalton
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RUBEM FONSECA:
Não existe nem mesmo uma literatura brasileira, com semelhanças de estrutura, estilo, caracterização, ou lá o que seja. Existem pessoas escrevendo numa mesma língua, em português, o que já é muito e tudo.
(...)
Eu nada tenho a ver com Guimarães Rosa, estou escrevendo sobre pessoas empilhadas na cidade enquanto os tecnocratas afiam o arame farpado. Passamos anos e anos preocupados com que alguns cientistas cretinos ingleses e alemães (Humboldt?) disseram sobre a impossibilidade de se criar uma civilização abaixo do Equador e decidimos arregaçar as mangas, acabar com os papos de botequim e, partindo para nossas lanchonetes de acrílico, fazer uma civilização como eles queriam, e construímos São Paulo, Santo André, São Bernardo e São Caetano, as nossas Manchesteres tropicais com suas sementes mortíferas. (...) Não dá mais pra Diadorim.