Gosto dos meus

GOSTO DOS MEUS

e não puxo o saco
dos teus ou daqueles outros formidáveis
'eus' em frenética comunhão de sestros íntimos
especulados em santa imagem alheia e prostituída

Gosto dos meus
do meu tempo do meu cio
do meu ócio do que não fiz prezo imensamente
minha não-realização milagrosa minha inércia extraordinária
merecedora da minha mais profunda
reverência embevecida

Gosto dos meus
do meu vazio do meu nicho ínfimo do meu
vinho derramado que pundonorosamente
não embriaga santos nem perturba o fastio
de qualquer douta inteligência generosa
ou desabrida

Meu vício é só e lícito
e não atende a domicílio

Meu vício é gostar dos meus
e do nosso tempo dado de Graça
às musas do ante-parnaso

do por acaso do azo de não
querer nada que não seja somente por graça...
(e não é senão essa a inútil matéria da vida?...)

Gosto dos meus
que não falam poesia, que não
gostam de poesia que não entendem
nada da minha ou de qualquer poesia
mas fazem em mim a poesia
não transubstanciada em qualquer lauda conhecida

Gosto dos meus
dos que gostam de mim e perdem seu
tempo com a pilhéria do meu atrapalhamento
de "poeta" albatroz - tufão de catavento -
fazendo-me gozar a presença ubíqua dos meus
a rirem-se em mim

Gosto dos meus
dos que juram que não rezam por mim só por
saberem que não acredito em Deus
mas que ainda assim rezam - e rezam
por mim no altar lúrido da esquina vulgar
com a fé secular e irrestrita e sobretudo em vão
e enfim em que sobre todas as coisas

Gosto dos meus
e não dos Teus,
que, com certeza divina,

só velam por Si

(Érico Braga Barbosa Lima)

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