Matéira sobre I, de Mauro Morais - Tribuna de Minas

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 https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/17-02-2016/palavras-matematicas.html

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Palavras matemáticas

Alexandre Faria lê poemas do novo livro no Eco – Performances Poéticas nesta quinta, às 21h Onde estará a arte, senão no lugar da dúvida? “I” é assim: não se sabe a referência primordial do título, não se sabe onde começa, não se sabe dos elos antes do fim, não se sabe se vale ou […]


Por MAURO MORAIS


Onde estará a arte, senão no lugar da dúvida? “I” é assim: não se sabe a referência primordial do título, não se sabe onde começa, não se sabe dos elos antes do fim, não se sabe se vale ou não. Já na orelha, enquanto a preta, de um lado, tece loas à nova obra de Alexandre Faria, escritor e professor da Faculdade de Letras da UFJF, a outra, branca, reduz e denigre o trabalho. “Nele (no livro) há mistificação, falso intelectualismo e a infame pretensão de quem se pressupõe poeta incompreendido, que é a de fazer versos estéreis (e histéricos)”, bombardeia uma orelha. “Para além desses dois esoterismos, o da poesia oracular e o da literatura potencial, o que o livro propõe é um profunda e crítica reflexão sobre o lugar da poesia contemporânea”, defende a outra.

Onde estará a arte (e, principalmente, a deste autor, neste trabalho), senão no lugar da dúvida? Adotada a certeza de que vale seguir na leitura, o que se coloca diante do leitor é um exercício visual e, sobretudo, verbal. Por isso, Alexandre Faria prefere chamá-lo de objeto de arte verbal. “Resolvi limitar ao máximo minha intenção à materialidade, ao elemento construtivo”, explica o autor, justificando sua opção pela forma, sem excluir, com isso, a significação. “Inova jorra rege”, diz um verso.

Partindo do clássico chinês “I Ching”, Alexandre extrai palavras dos símbolos. “O objeto tenta interpretar o valor de cada trigrama. E são oito trigramas que fazem 64 hexagramas combinados. Os sinais de yin e yang, os traços inteiros e os cortados, pela tradição que li, são quantitativos, como uma contagem binária. O primeiro hexagrama, que é todo yin, é zero”, pontua, referindo-se aos desenhos utilizados como oráculos. “Meu interesse está sempre nas possibilidades e no limite da palavra”, diz.

O livro, que tem sua primeira leitura pública nesta quinta, durante o Eco – Performances Poéticas, às 21h, no Muzik, tem duas capas, duas formas de leitura, dois sentidos, como yin e yang. Segundo o autor, desses arquétipos compreendeu toda a obra chinesa como um binário de zero e um. “É um processo de análise combinatória. Tem uma alternância de nomes e verbos. Os nomes estão na posição de yin e os verbos na posição de yang. As vogais abertas estão na posição de yang e as fechadas, na de yin. Determinei previamente uma distribuição e fui procurando palavras que tinham os sentidos que eu queria dar, obedecendo uma regra.”

Atento às palavras frouxas

Complexo, porém urgente. Pesquisador da literatura contemporânea, referência na universidade, Alexandre sai da zona de conforto, esgarça o texto e contribui. “Quis provocar um pouco, porque tenho visto contemporaneamente a palavra circulando de maneira muito frouxa, aí radicalizei para outro lado: procurei uma tradição extremamente formalista, mas sem ortodoxia. Um jogo para quem escreve e para quem vai ler”, comenta. “Não faço isso por conta da responsabilidade (como estudioso). É minha vibe, meu barato. Mas, também, uma tentativa de interagir, dialogar e provocar uma galera que vejo fazendo poesia.”

Em tempos de saraus, de periferias prolíficas e participativas, de textos que existem no ar e não na folha, “I”, o objeto, questiona o conceito de uma literatura tradicional sempre ligada à escrita. Faz arte verbal e privilegia o físico. “Tenho tentado fazer livros que não caberiam no Kindle. Se eu colocasse ‘I’ no Kindle só haveria um sentido de leitura e apenas uma capa. Busco a materialidade por conta do suporte digital. Publico muita coisa on-line, e não tenho vontade de reuni-los num livro, porque já estão reunidos no Google, é só clicar para pesquisar”, diz.

Um QR Code atrás das orelhas do livro transporta o leitor para um site onde está toda a matemática da obra, onde os poemas estão todos em números (ver as bordas da página). Para Alexandre, “o grande suporte para esse texto é a voz”, ainda que todo o recurso gráfico se configure sólido. “À medida em que vamos lendo, percebemos que o ritmo equivale ao yin e yang. Há uma divisão e uma acentuação diferente nas sílabas”, pontua ele, que defende, no encontro das palavras, na leitura integral, um significado maior. “É uma reflexão sobre a origem do cosmos, segundo arquétipos da tradição chinesa”, diz

Mesmo que o passo seja ousado, não se trata de ato completamente novo na carreira do professor e escritor. Em “Anacrônicas”, romance de 2005, Alexandre já discutia os estatutos poéticos (o que é, afinal, poesia?). “A página mais louca do livro é de palavras copiadas de uma sequência de verbetes do dicionário, de todas as palavras que começam com Ana. Fui copiando os significados e fiz uma página. Tinha um procedimento construtivo rigoroso, mas com um resultado que aparenta o caos”, recorda-se, certo de que é na dúvida que se encontra a arte.

Nova casa, novos ecos

Após meses em silêncio, o Eco – Performances Poéticas voltou a ter voz. O evento que começou no finado Espaço Mezcla, em 2008, levando mais de uma centena de pessoas à casa, nas quintas-feiras, para ouvir poesia, ganhou nova casa. Aportou no Muzik e nesta quinta apresenta sua segunda edição de 2016. Além de Alexandre Faria, participam o carioca João Meireles, lançando sua plaquete “Fui a Lisboa esquecer um amor” (Edições Macondo), e os integrantes da Revista “O Garibaldi”, que comemora um ano de vida. Com uma equipe maior, o som ganha destaque na nova moradia. Laura Jannuzzi canta autorais, João Gama e RT Malone fazem rap e Amanda Messias e Otávio Campos comandam as picapes. Como de costume, o evento preserva seu microfone, aberto após a presença dos convidados, para quem gosta de falar, fazer e ouvir poesia.

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