Teresa Cristina e Grupo Semente cantam (e são) Chico Buarque

para Leinimar

Belíssimo show. O repertório afeta por si, mas a interpretação o transforma, redimensiona as canções, e afeta mais e diferente. Senti (e tento compreender agora) dois afetos: um, o da composição, já cristalizada no sistema nervoso, incorporada ao repertório do ouvinte, tipo alicerce do inconsciente (coletivo, no caso de Chico Buarque); outro, o das cores, do movimento e da emoção que surgem de dentro da voz de Teresa Cristina. Exemplos não faltam: a sobriedade com que toca as alturas e encorpa o refrão de “Estação derradeira” (nesta o arranjo das cordas é uma história à parte, de quem é o arranjo?); a dignidade com que sustenta a inocência da mãe do “Meu guri”; a divisão diabólica que ela e Pedro Miranda contracantam em “Biscate”, são só alguns dos pontos altos.

As melhores homenagens que se prestaram ao compositor foram as em que os intérpretes “falaram” sobre suas canções, sem cair na ingenuidade de achar que se pode deixar a obra falar por si (então não se deve perder também Cida Moreira e um pouco do Oswaldo Montenegro, coisas bem diferentes entre si, que falam de Chico). É nesse sentido que fragmento três imagens do meu afeto no show:

1 – Antes de provocar com uma interpretação sensual (como deve ser!) de “Sem fantasia”, ela conta com humor de quando não entendia bem a censura paterna se ela cantava, menina distraída, versos como “dia útil ele me bate, dia santo ele me alisa”. Habilmente, a cantora, com essa “despretensiosa” historinha, tira de si e de um lugar íntimo do Brasil (das mulheres do Brasil, dos subúrbios do Brasil), outra personagem buarquiana.

2- Mulher, negra e suburbana, à frente de pandeiro cavaquinho e violão de músicos escolados, todos com jeitinho zona sul. O grupo e a cantora são possíveis como personagens fortes da cena cultural brasileira, porque são de uma geração cujo imaginário foi também e bem nutrido pelas canções de Chico Buarque. E independentemente do show e da homenagem, “Teresa Cristina e o Grupo Semente” podem ser um evento de alguma utopia social brasileira que, se há desde Ismael/Noel, ou do Opinião, chegou até nós filtrada pelo cancioneiro de Chico Buarque.

3 – Finalmente: para pôr mais lenha na fogueira da discussão entre ser sambista x ser cantor de MPB, é obrigação de quem quiser entrar nessa briga, ouvir Teresa Cristina cantando “A história de Lili Brown”, de preferência com o sax especialíssimo de Marcelo Bernardes.

Quem não viu, veja!

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