Um rei sem boca da noite
Todos tem sua hora na boca da noite. Exceto alguns reis. Outro dia assisti à Vida de Pi. Achei uma espécie de upgrade do Mágico de Oz. Mas, na inevitável hora de revelar suas metáforas, o filme dói; e cresce. Passar um dia sem carne, uma vida, vá lá. Não é nada, se compararmos ao momento em que um vegetariano se vê obrigado a comer carne. A da própria mãe, do próprio irmão? Ninguém é digno de ouvir uma palavra e ser salvo. Mas advogados e juízes estão aí pra isso mesmo. É a hora em que, sem advogados nem juízes (não necessariamente sem deuses, mas sem juízes), sentimo-nos justiçados diante da existência. Compreendemos. Fica rica a polissemia da palavra sujeito. Diariamente a gangorra entre ser agente da própria vida e saber-se subjugado ao não saber, não prever. Quando disse que alguns reis são incapazes de experimentar sua hora na boca da noite, pensei naqueles que vivem – e governam – à mercê dos oráculos, como o de La vida es sueño. Naqueles que, pelo sonho, governam destinos