Hai-kai pelos 10 anos de Clarice, pequena gênese

A pétala guarda
Na superfície da flor
A manhã serena


Essa semana, terça ou quarta, coloquei o Caravanas do Chico. Quando tocou "Dueto", que ele já havia gravado com Nara Leão, e, nesse disco, reapresenta dividindo a voz com Clara, sua neta, lembrei de Clarice. É uma canção que gostamos de ouvir juntos, nas viagens de carro. Fui ouvindo e pensando que Clarice faria dali a alguns dias 10 anos. E fiquei pilhado para fazer um poema para ela, afinal, 10 anos são 10 anos! E fiquei pensando num poema que desse conta daquele sentimento que dá diante de um amor que não acaba, mesmo se o calendário nos contrariar, algo que nos autorizaria mandar  às favas o evangelho e todos os orixás.

Fiquei pensando, sentindo, mas o poema não rolou.

Hoje, no Facebook, Carolina postou este texto maravilhoso, sensível e inteligente, como tudo que ela escreve, em homenagem a Clarice. Dá conta com precisão e delicadeza do papel dela na nossa família. Sua tranquilidade, seu equilíbrio, sua beleza que está e estará no mundo a despeito, pensei, da inevitabilidade de o destino nos separar. Copio aqui o texto, porque fatalmente, no Face, ele se perde.

Ontem foi o aniversário dela, Clarice, a minha enteada. É tão incrível como quando estamos abertos ao mundo, compreendemos os presentes que a vida nos dá! Clarice não nasceu do meu ventre, não a peguei no colo nos primeiros meses de vida, não a amamentei, não a vi dar os primeiros passinhos, mas sei muito sobre ela quando a vejo refletida nos olhos do seu pai. Sei muito sobre ela quando me mira profundamente me analisando em todos os aspectos, quando se solta, se abre para o mundo e se lança em um abraço. Ao vê-la junto com meus quatro filhos, entendo a sua função nas nossas vidas, Clarice traz a suavidade, o equilíbrio, a serenidade que faltava em nossa família. Da minha barriga nasceram o menino Sol (Oruan), o menino Lua (German), a menina Estrela (Dandara) e a menina Mar (Luara), do meu coração nasceu a menina Terra (Clarice) a nos ensinar tantas maneiras de amar, a nos ensinar a quantas famílias podemos pertencer. Parabéns pelos seus 10 anos minha flor.

Acrescentei um comentário que sublinha um aspecto muito especial da percepção que o texto traz que é dada pela condição de "quando estamos abertos para o mundo", o que propicia um aprendizado inigualável. Nossos filhos nos ensinam mais do que nossos pais, nossos alunos mais do que nossos professores. Essa abertura põe uma REVOLUÇÃO em curso, nas nossas vidas, que se dá pelo aprendizado da horizontalidade. Colocar-se ao lado para acolher, para ensinar e acabar aprendendo. Se não for assim, não dá nem para chamar de amor.

Percebi que essa reflexão ressoava um poema que tenho no Venta não, que diz que revolução é por dentro, por fora é só a guerra. Mas antes mesmo de formulá-la, minha primeira resposta foi fazer o hai-kai. Fui buscando as palavras, o metro e saiu. Acho que o primeiro hai-kai que faço. Gostei dele, sinto que diz tudo que eu queria dizer, embora não impreque contra os astros e os búzios. Melhor assim, pela Clarice.

Acho importante também, para quando a Clarice, no futuro, vier aqui no blog e achar essa gênese desguardada de um poema que fiz pela passagem dos seus 10 anos, dizer que no dia seguinte ao seu aniversário, as mulheres (e os homens) do nosso país, foram às ruas, para gritar #elenão e eu fiquei com ela, em casa, porque o comando do movimento, em nome da segurança, não recomendava a presença de crianças, porque fico muito pouco junto da minha florzinha que em breve se tornará uma adolescente e seguirá seu caminho, porque queremos também cultivar um jardim coberto de flor, e continuar limpando as ervas daninhas do chão que ele pisou.

Em tempo: as pessoas andam me perguntando muito sobre a capa de oourodooutro que concebemos, eu e Carolina, como uma filha também. Perguntam por que a imagem da morte. Para mim é claro que tem a ver com os poemas que estão no livro. Eles também se tornaram inevitáveis, incontornáveis, tanto quanto o hai-kai:

A pétala guarda
Na superfície da flor
A manhã serena

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