Entrevista para Mauro Morais sobre a Exposição "Embate ao Fascismo - 80 anos de Guernica

Saiu ontem, na Tribuna de Minas (http://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/15-10-2017/artistas-juiz-foranos-fazem-releitura-de-guernica.html), matéria de Mauro Morais sobre a exposição Embate ao Fascismo - 80 anos de Guernica, da qual participo com um poema. Para a reportagem, Mauro me enviou algumas perguntas, cujas respostas foram bem aproveitadas em seu texto. Publico, aqui, a conversa na íntegra com alguns ajustes.


- De que maneira te toca o "Guernica"?

De uma maneira profundamente ambígua. Sinto que é uma bela obra que eu gostaria que tivesse sido desnecessária. Grandes obras de arte são fruto do que há de pior na condição humana. A "Rosa de Hiroshima" é filha da bomba de Hiroshima. Por outro lado são obras mais do que necessárias, são imprescindíveis. Não só porque fixam a monstruosidade do humano no plano histórico, evitam o esquecimento das atrocidades que preferimos, às vezes, esquecer, mas também porque nos expõem, trazem à tona cotidianamente a consciência do que somos capazes.


- Como percebe a contemporaneidade do trabalho?

Não superamos os impasses e as crises que caracterizam a modernidade. Todas elas estão aí, e profundamente relacionadas à maneira como se ocupa o planeta, à maneira como se estabelecem valores e prioridades para a vida, e à maneira como explora o trabalho. Tudo isso pode mudar superficialmente, mudar de estilo, mas na essência é a mesma condição. O trabalho e a vida, associados às noções de produtividade, competitividade, acumulação, doença e negócio, vale mais do que associados às ideias de sustentabilidade, comunidade, liberdade, saúde e ócio. Enquanto isso não mudar, estaremos na mesma. Nesse sentido a arte e a poesia são contemporâneas sempre e de todos os tempos. São o lugar de resistência, contra a lógica produtivista, e de ressignificação da vida através da criação e do compartilhamento de tempo livre. Parar, hoje ou sempre, para contemplar ou fazer quadros, ler ou fazer poemas, é um ato de insubordinação às demandas do nosso tempo.


- Encontra paralelo entre o fascismo retratado na tela e nossa atualidade?

Não creio que se trate nem de um paralelo entre tempos diferentes. Os bombardeios, as técnicas de destruição em massa nunca deixaram de acontecer e estão cada vez mais aprimoradas. Em Guernica, Londres, Paris, Berlim, Hiroshima, Vietnam, Bagdá, Síria etc etc. Mudam substancialmente os motivos? Não. Tudo foi e é feito em nome da liberdade, da garantia de direitos, da delimitação de espaços, da expansão da fé, ou qualquer história que seja contada e justifique que um grupo se utilize da violência contra outro.


- Seu texto se inicia dizendo que Heinkel sentou-se ao seu lado. Quem são nossos inimigos hoje?

São os mesmos. Mas preferia destacar que o verso mobiliza a maneira como o inimigo age. Heinkel é um dos modelos de avião, da força aérea alemã, usados no bombardeio a Guernica. Assim como Junkers. Mas não são apenas os bombardeiros e os tanques que disseminam o fascismo. Ele chega na mentalidade das pessoas, dos nossos vizinhos, dos nossos colegas, de nós mesmos. Quando vemos, o individualismo, o ódio e a intolerância contra o outro já tomaram conta do nosso cotidiano. Já nos tornamos fascistas quando deixamos de lado a capacidade humana de fazer um gesto fraterno e compreensivo e entramos bélicos nas discussões polarizadas como se de fato existisse um bem e um mal, um certo e um errado, uma posição imbecil e outra inteligente. Quando invejamos os Deuses, porque não se pensam (para lembrar um poema de Ricardo Reis); quando passamos a acreditar mais nas instituições do que nas pessoas, mais nas leis do que na justiça, é assim que vamos nos tornando fascistas. O próximo passo é declarar guerra em nome de uma ideia precária qualquer, como a de liberdade ou de moral. Observe que é sempre em nome da liberdade ou da verdade que cassam a liberdade e a verdade alheias. E é isso que estamos vendo cotidianamente, “nas escolas, nas ruas, templos, mercados” e nas redes sociais, esse espaço que, no poema, chamo “condomínio de algoritmos". A arte é um bom antídoto, mas ela vem sendo sistematicamente perseguida se censurada, vide o recente caso do Queermuseu. Por isso temos que ficar atentos e ativos. Nesse sentido há que se aplaudir de pé a iniciativa da Profa. Valéria Faria, Pro-Reitora de Cultura da UFJF,e de toda a sua equipe, que trabalhou para realizar essa exposição.

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