Voz sem saída, Céline Curiol

Tudo bem? Pela primeira vez ele acrtou a infexão. Não se trata de mera fórmula de cortesia ou de tique linguístico, ele quer saber como ela está. A expressão deixou de ser disfarce para introduzir uma intenção verdadeira. (93)
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Quer saber se ela nunca teve vontade de dizer um disparate. De alterar o horário de um trem ou o número de uma plataforma, por exemplo. É sem dúvida um bom meio de ser posto na rua. A idéia não deixa de ter certo apelo, mas não, nunca pensou nisso. Com o tempo certas proibições fundem-se à normalidade, e sua violação torna-se inconcebível. (119)
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A cada dia, centenas de indivíduos se evitam. Por pudor, covardia, incompreensão preguiça, medo, orgulho. Em sua caixa de câmbio não há marcha lenta, pois o que se deixa para trás teoricamente deve reencontrar-se à frente. Coleção de danos, deploráveis malefícios da sociedade de consumo na qual todas as escolhas são permitidas e, assim acumuladas, recebem a enganosa denominação de liberdade. Como fazemos com vitrines, roçamos o outro com o olhar. (135)
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Kiwis e seios, rodelas de kiwi e bicos de peitos. O interior de seis kiwis e o mamilo de seis mulheres foram fotografadas em close. Incrustadas na polpa esmeralda, as sementes ultranegras rodeiam o núcleo verse-claro, cujo traçado é sempre distinto, único, semelhante ao bico do seio, cercado por sua coroa morena, de diâmetro e tonalidade variáveis. (180)

(CURIOL, Céline. Voz sem saída. Tradução Bluma Waddington Vilar. Nova Fronteira, 2006)

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