Zuzu Angel no Cinema

Mais importante do que assistir ao Zuzu Angel, talvez seja prestar atenção à fala da garotada que sai do cinema.

Longe de ser uma obra de arte, o filme vale pela produção de memória. Há episódios vergonhosos de nossa história que merecem, a despeito do tratamento romântico e folhetinesco que sofrem, ser revistos sempre. Houve, há algum tempo, Olga e, agora, este Zuzu Angel parece padece do mesmo mal: a construção de uma imagem infantilizada do militante da esquerda. É a falta de jeito para o impulso erótico ou afetivo, para o pathos motor do personagem folhetinesco, que o desqualifica diante do público novelesco. No caso do filme que estreou neste fim-de-semana, um agravante: a forte imagem cazuza, que o ator Daniel Oliveira agregou e fez pouca questão de descaracterizar, sem falar do conflito mãe/filho que remete à também recente biografia filmada por Sandra Werenck e Walter Carvalho. Uma imagem compõe a outra na aparência, mas são no fundo bastante opostas: o projeto revolucionário dos 60/70 não pode ser comparado (nem subliminarmente) ao make it yourself dos 70/80. A abertura com "Dê um rolê" (Moraes e Galvão), cujo arranjo ficou deslumbrante, apenas comprova esse desajuste de foco histórico-cultural.

Mas nada disso me interessa agora. Pasmei foi com os comentários dos meninos e meninas que saíam do cinema: quase incapazes de distinguir o filme a que assistiram de um Batman ou qualquer outro justiceiro hollywoodiano. Não por se demonstrarem insensíveis à violência física, à da tortura e do assassinato, tão bem representadas no filme, isso já era de se esperar. O que é pior: estão ANESTESIADOS PARA A INJUSTIÇA e alheios aos engodos do poder - a cena chave do filme é a do julgamento que o tribunal militar faz de um morto.

Queria agora poder contratar uma pesquisa para catalogar por faixas etária e sócio-econômica a reação que os espectadores de Zuzu Angel manifestam diante das atrocidades políticas que o filme recorda. Na falta disso, intuo, sem perder da memória um artigo de Karel Kosik (O século de Grete Samsa: sobre a impossibilidade do trágico no nosso tempo - http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo03.htm),
intuo a indiferença e o cinismo com que Grete Samsa varre da memória o inseto-irmão morto. Prestemos atenção no que dizem, que pensam, que falam, o fãs do Big Brother e analfabetos da novilíngua. Talvez isso nos leve à intranquila conclusão de que a hegemonia do capitalismo neo-liberal e "democrático" não deixa nada a dever ao nazi-fascismo. E que faz pouca diferença se as ALTERNATIVAS são minimizadas como caprichos de um filhinho-de-mamãe ou caladas na escuridão do mar.

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